Jeferson Botelho Pereira
http://jus.com.br/artigos/23181/porte-de-arma-de-fogo-instrumento-de-protecao-e-salvaguarda-social
A arma de fogo é instrumento importante de defesa pessoal e
componente necessário para o bom e seguro desenvolvimento do trabalho policial.
"E qual país
pode preservar suas liberdades, se seus governantes não são avisados de tempos
em tempos que o povo preserva o espírito de resistência? A árvore da liberdade
deve ser revigorada de tempos em tempos com o sangue de patriotas e
tiranos."
Thomas Jefferson, 1787, em carta para William
Smith
Resumo: Este ensaio não pretende esgotar o assunto sobre o
porte de arma de fogo no Brasil. Apenas tem por objetivo apresentar uma breve e
sucinta leitura da evolução histórico-cultural, permitindo analisar todo o
arcabouço legal em torno da pertinência temática.
Palavras-chave: Armas – Armas de fogo, porte de arma de
fogo. Omissão de cautela.
De início, é bom apresentar um conceito de arma de fogo,
fornecido pelo artigo 3º, inciso XIII, do Decreto 3.665/2000, na chamada
interpretação autêntica contextual, antes mesmo de uma abordagem puramente de
direito.
Assim, arma de fogo é aquela que arremessa projéteis
empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente
confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a
função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e
estabilidade ao projétil.
A contrário senso é possível apresentar também um conceito
de arma branca, segundo o qual é obtido de maneira excludente. Isto é,
considera-se arma branca aquela que não é arma de fogo. Arma branca pode ser
própria (produzida para ataque e defesa) ou imprópria (produzida sem finalidade
específica de ataque e defesa, como a enxada, por exemplo).
O Decreto nº 3.688/41, derrogado, define conduta
contravencional de porte ilegal de arma, em seu artigo 19, com a seguinte
formulação típica:
Textos relacionados
O que é crime
tentado?
Princípio in dubio
pro reo na pronúncia do tribunal do júri
Autoria nos crimes
praticados por multidões
Medidas protetivas
de urgência da Lei Maria da Penha são eficazes?
Mapa da violência
2013: o fracasso do desarmamento
Art. 19. Trazer
consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena – prisão
simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três
contos de réis, ou ambas cumulativamente.
§ 1º A pena é aumentada
de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível,
por violência contra pessoa.
§ 2º Incorre na
pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil
réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:
a) deixa de fazer
comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;
b) permite que
alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha
consigo;
c) omite as
cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado,
menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la.
Percebe-se fácil e visivelmente que até 21 de fevereiro de
1997, o porte ilegal de arma de fogo era conhecido doutrinariamente com o
título de crime-anão, portanto, conduta contravencional de reduzida
ofensividade.
A Lei nº 9.437/97 (Lei das Armas) inaugurou uma nova fase no
direito repressivo pátrio, agora ganhando status de crime propriamente dito,
mais especificamente no artigo 10 do comando normativo.
Por fim, seguindo a moderna doutrina de estatuir questões de
relevo social, em 22 de dezembro de 2003, a Lei nº 10.826/2003 revoga
expressamente a Lei 9.439/97 por meio do seu artigo 36, agravando a pena do
mesmo delito, passando-a para uma punição mais rigorosa, ou seja, 02 a 04 anos
de reclusão.
O Estatuto do Desarmamento prevê a criação de 07 tipos
penais, a saber:
Posse irregular de
arma de fogo de uso permitido
Art. 12. Possuir
ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido,
em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua
residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que
seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção,
de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Omissão de cautela
Art. 13. Deixar de
observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou
pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja
sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
Pena – detenção,
de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único.
Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de
segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial
e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de
extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas
primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.
Porte ilegal de
arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar,
deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda
que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar
arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão,
de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O
crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver
registrada em nome do agente.
Disparo de arma de
fogo
Art. 15. Disparar
arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em
via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como
finalidade a prática de outro crime:
Pena – reclusão,
de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O
crime previsto neste artigo é inafiançável.
Posse ou porte
ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir,
deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua
guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou
restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena – reclusão,
de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único.
Nas mesmas penas incorre quem:
I – suprimir ou
alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou
artefato;
II – modificar as
características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo
de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo
induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir,
detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
IV – portar,
possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou
qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;
V – vender,
entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição
ou explosivo a criança ou adolescente; e
VI – produzir,
recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma,
munição ou explosivo.
Comércio ilegal de
arma de fogo
Art. 17. Adquirir,
alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar,
montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma
utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou
industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão,
de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único.
Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo,
qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou
clandestino, inclusive o exercido em residência.
Tráfico internacional
de arma de fogo
Art. 18. Importar,
exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer
título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade
competente:
Pena – reclusão de
4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Importante ressaltar que de todos os delitos elencados,
chama-se a atenção dos policiais que detém porte de arma de fogo, aquele
previsto no artigo 13, que diz respeito à omissão de cautela.
Art. 13. Deixar de observar as cautelas
necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de
deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que
seja de sua propriedade:
O professor Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Leis
Penais e Processuais penais comentadas, Editora Revista dos Tribunais, 3ª
Edição, descreve com eficiência acerca do núcleo do tipo, a começar pela
análise do verbo composto deixar de observar, como sendo a conduta de não
prestar atenção, não examinar as cautelas devidas, que é o dever de cuidado
objetivo, imposto a todos os que vivem em sociedade, significado atuar com
atenção e zelo, para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora
de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou
que seja de sua propriedade:
Portanto, trata-se de crime próprio, de mera conduta, de
forma livre, omissivo, instantâneo, e que possui a culpa como sendo o seu
elemento subjetivo do tipo.
Assim, recomenda-se que o policial que tenha arma de fogo em
casa ou em qualquer lugar, adote conduta positiva no de sentido de guardar sua
arma em lugar seguro, distante de pessoas menores de 18 anos ou portadoras de
deficiência mental. Aqui é preciso sempre adotar condutas positivas a fim de
prevenir a ocorrência de fatos irreparáveis.
A guarda segura da arma também pode impedir a sua subtração,
mormente quando postas no interior de veículos automotores. O furto de uma arma
sob custódia do policial pode lhe causar implicações legais previstas do artigo
312, § 2º do Código Penal, que prevê o crime de peculato culposo, além de
responder a procedimento administrativo para apurar possível cometimento de
transgressão disciplinar, artigo 149 c/c artigo 150, inciso XV, da Lei 5406/69,
e respectiva indenização ao erário público, art. 186 da Lei 10.406/2002.
Algumas outras situações devem ser postas ao titular de
porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos termos do art. 10 da
Lei nº 10.826, de 2003. Assim, não poderá conduzi-la ostensivamente ou com ela
adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios
desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração
de pessoas em virtude de eventos de qualquer natureza, sob pena da cassação do
Porte de Arma de Fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente.
Para o policial detentor do porte de arma de fogo, é
importante descrever alguns lugares de grande vulnerabilidade quanto ao
exercício do porte de arma.
A literatura policial e jornalística têm registrado casos de
disparos acidentais de arma de fogo em sala de aula de escolas públicas,
particulares e em universidades, com trágicas consequências para a sociedade,
não sendo recomendado o seu porte no interior de educandários, e também em
campos de futebol. É possível até ventilar a hipótese de omissão juridicamente
relevante, a chamada imprópria, art. 13, § 2º, em casos de pessoas atingidas
nas escolas, por disparos de arma de fogo efetuados por servidores do sistema
de justiça criminal.
Noutra vertente, sabe-se que o Estatuto do Desarmamento foi
devidamente regulamento pelo Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, trazendo
informações importantes sobre o assunto.
O artigo 17 do predito decreto contém norma imperativa determinando
que o proprietário de arma de fogo é obrigado a comunicar, imediatamente, à
unidade policial local, o extravio, furto ou roubo de arma de fogo ou do
Certificado de Registro de Arma de Fogo, bem como a sua recuperação. Por outro
lado, a unidade policial deverá, em quarenta e oito horas, remeter as
informações coletadas à Polícia Federal, para fins de cadastro no SINARM.
Concluindo, tem-se
que a arma de fogo é instrumento importante de defesa pessoal e componente
necessário para o bom e seguro desenvolvimento do trabalho policial. Noutro
viés deve o policial garantidor de direitos, demolir a conceitos errôneos e
engodos de toda a sorte, convivendo exemplarmente numa sociedade de risco,
fomentada pelo estado social de direito como garantia do crescimento do povo e
garantia das liberdades públicas, sendo certo que a permanente vigilância deve
fazer parte do cotidiano policial em especial daqueles servidores que
ingressaram recentemente no serviço público, ainda sem a tão necessária
experiência, muito embora tenham passado por rigoroso curso de formação, a fim
se evitarem acontecimentos circunstanciais.
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br,
acesso em 16/09/2012, às 08h15min;
BRASIL. Decreto-lei nº 3688, de 03 de outubro de 1941.
Dispõe sobre a Lei das Contravenções Penais. http://www2.planalto.gov.br/,
acesso em 16/09/2012, às 08h15min;
BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940.
Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em
16/09/2012, às 08h15min;
NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais
Comentadas. Editora Revista dos Tribunais - 3ª Edição – Revista, atualizada e
ampliada.
Leia mais:
http://jus.com.br/artigos/23181/porte-de-arma-de-fogo-instrumento-de-protecao-e-salvaguarda-social#ixzz2b0BB6IcD
Nenhum comentário:
Postar um comentário